segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A Cultura da Paz é possível ou é uma visão utópica?


Pensar em uma sociedade regida pela Cultura da Paz traz a todos muitos questionamentos, dentre os quais o se a edificação dessa cultura é viável ou se não passa de um modelo utópico, já que os significantes que regem a subjetividade humana não seguem como via única a que nos conduz ao ideal do amor universal. Há outros elementos no caminho que levam à violência e esses muitas vezes são determinantes na constituição psíquica de muitas pessoas.

Dessa forma, indagarmos se a evolução da cultura pode criar condições de vida mais pacíficas - e se essa cultura, a partir do momento em que for valorizada, pode, simbolicamente, influenciar a subjetividade humana - enseja muitos estudos.

Se ainda não há respostas possíveis, afirmarmos que a construção de uma Cultura da Paz é uma utopia não pode ser uma resposta encerrada.

Violência e ideal da paz sempre fizeram parte da história da humanidade. Em muitos momentos, a balança oscilou pelo peso da violência. A fala da paz de muitos foi calada. A violência é, nitidamente, covarde: é a fraqueza que interrompe, porque não tem argumentos para dialogar.

Imaginar um mundo em que a paz seja a ordem dominante parece uma visão utópica. Mas, se o mundo se organiza pelos símbolos do poder, porque não atribuirmos o poder ao que tem, realmente, o poder de edificar as vidas humanas?

A paz é a força operante na cultura que emerge. A resolução do conflito que se faz pelo diálogo revela a força de fortes. Fortes, onde não há fracos nem vencidos. Há pessoas que se respeitam e que são valorizadas em suas múltiplas diferenças. Pessoas que reconhecem que seus valores são construídos em contextos que divergem de qualquer outro ser humano. Valores humanos, extremamente preciosos, que têm uma regra básica a cumprir: não proporcionar o mal ao outro.

Uma sociedade em que todos vivam com paz é um sonhar além... mas, por que não? Se a vida, muitas vezes, se organiza em significantes regidos pela “pulsão de morte”, há caminhos que, também, conduzem à “pulsão da vida”, a Eros – o instinto do amor. 

Se há algo a ser feito, isso precisa partir de cada um. Vivemos na sociedade de rede, que se constrói no um-a-um, em pessoas que se somam. Uma cultura é edificada na soma dos valores. Propor-nos o desafio diário de adotarmos atitudes diante do outro com mais respeito, com admiração às suas singularidades, é um dos caminhos.

Gosto muito de uma frase de Marcel Proust, um escritor francês, que diz que “a verdadeira viagem da descoberta consiste não em buscar novas paisagens, mas em ter novos olhares”. Olhos que buscam o adiante, que questionam, que articulam as teorias com a experiência.


Para os que gostam das histórias que aquecem a alma, um conto de um autor desconhecido:


A estrela do mar


“Era uma vez um escritor que morava em uma tranquila praia, junto de uma colônia de pescadores. Todas as manhãs, ele caminhava a beira do mar para se inspirar, e a tarde ficava em casa escrevendo.
Certo dia, caminhando na praia, ele viu um vulto que parecia dançar.
Ao chegar perto, ele reparou que se tratava de um jovem que recolhia estrelas do mar da areia para, uma por uma, jogá-las novamente de volta ao oceano.
- Por que está fazendo isso? - Perguntou o escritor.
- Você não vê? - explicou o jovem - A maré está baixa e o sol está brilhando. Elas irão secar e morrer se ficarem aqui na areia.
O escritor espantou-se:
- Meu jovem, existem milhares de quilômetros de praias por este mundo afora, e centenas de milhares de estrelas do mar espalhadas pela praia. Que diferença faz? Você joga umas poucas de volta ao oceano.
A maioria vai perecer de qualquer forma.
O jovem pegou mais uma estrela na praia, jogou de volta ao oceano e olhou para o escritor e disse:
- Para essa daqui eu fiz diferença.
Naquela noite, o escritor não conseguiu escrever, sequer dormir.
Pela manhã, voltou a praia, procurou o jovem, uniu-se a ele e, juntos, começaram a jogar estrelas do  mar de volta ao oceano.
Sejamos, portanto, mais um dos que querem fazer do mundo um lugar melhor. Sejamos a diferença!”





quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Carta da Terra



"PREÂMBULO

Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro reserva, ao mesmo tempo, grande perigo e grande esperança. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio de uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos nos juntar para gerar uma sociedade sustentável global fundada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade de vida e com as futuras gerações.


TERRA, NOSSO LAR

A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A Terra, nosso lar, é viva como uma comunidade de vida incomparável. As forças da natureza fazem da existência uma aventura exigente e incerta, mas a Terra providenciou as condições essenciais para a evolução da vida. A capacidade de recuperação da comunidade de vida e o bem-estar da humanidade dependem da preservação de uma biosfera saudável com todos seus sistemas ecológicos, uma rica variedade de plantas e animais, solos férteis, águas puras e ar limpo. O meio ambiente global com seus recursos finitos é uma preocupação comum de todos os povos. A proteção da vitalidade, diversidade e beleza da Terra é um dever sagrado.


A SITUAÇÃO GLOBAL

Os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental, esgotamento dos recursos e uma massiva extinção de espécies. Comunidades estão sendo arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão sendo divididos eqüitativamente e a diferença entre ricos e pobres está aumentando. A injustiça, a pobreza, a ignorância e os conflitos violentos têm aumentado e são causas de grande sofrimento. O crescimento sem precedentes da população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológico e social. As bases da segurança global estão ameaçadas. Essas tendências são perigosas, mas não inevitáveis.


DESAFIOS FUTUROS

A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida. São necessárias mudanças fundamentais em nossos valores, instituições e modos de vida. Devemos entender que, quando as necessidades básicas forem supridas, o desenvolvimento humano será primariamente voltado a ser mais e não a ter mais. Temos o conhecimento e a tecnologia necessários para abastecer a todos e reduzir nossos impactos no meio ambiente. O surgimento de uma sociedade civil global está criando novas oportunidades para construir um mundo democrático e humano. Nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados e juntos podemos forjar soluções inclusivas.


RESPONSABILIDADE UNIVERSAL


Para realizar estas aspirações, devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade universal, identificando-nos com a comunidade terrestre como um todo, bem como com nossas comunidades locais. Somos, ao mesmo tempo, cidadãos de nações diferentes e de um mundo no qual as dimensões local e global estão ligadas. Cada um compartilha responsabilidade pelo presente e pelo futuro bem-estar da família humana e de todo o mundo dos seres vivos. O espírito de solidariedade humana e de parentesco com toda a vida é fortalecido quando vivemos com reverência o mistério da existência, com gratidão pelo dom da vida e com humildade em relação ao lugar que o ser humano ocupa na natureza.
Necessitamos com urgência de uma visão compartilhada de valores básicos para proporcionar um fundamento ético à comunidade mundial emergente. Portanto, juntos na esperança, afirmamos os seguintes princípios, interdependentes, visando a um modo de vida sustentável como padrão comum, através dos quais a conduta de todos os indivíduos, organizações, empresas, governos e instituições transnacionais será dirigida e avaliada.


PRINCÍPIOS

I. RESPEITAR E CUIDAR DA COMUNIDADE DE VIDA

1. Respeitar a Terra e a vida em toda sua diversidade.
  1. Reconhecer que todos os seres são interdependentes e cada forma de vida tem valor, independentemente de sua utilidade para os seres humanos.
  2. Afirmar a fé na dignidade inerente de todos os seres humanos e no potencial intelectual, artístico, ético e espiritual da humanidade.
2. Cuidar da comunidade da vida com compreensão, compaixão e amor.
  1. Aceitar que, com o direito de possuir, administrar e usar os recursos naturais, vem o dever de prevenir os danos ao meio ambiente e de proteger os direitos das pessoas.
  2. Assumir que, com o aumento da liberdade, dos conhecimentos e do poder, vem a maior responsabilidade de promover o bem comum.
3. Construir sociedades democráticas que sejam justas, participativas, sustentáveis e pacíficas.
  1. Assegurar que as comunidades em todos os níveis garantam os direitos humanos e as liberdades fundamentais e proporcionem a cada pessoa a oportunidade de realizar seu pleno potencial.
  2. Promover a justiça econômica e social, propiciando a todos a obtenção de uma condição de vida significativa e segura, que seja ecologicamente responsável.
4. Assegurar a generosidade e a beleza da Terra para as atuais e às futuras gerações.
  1. Reconhecer que a liberdade de ação de cada geração é condicionada pelas necessidades das gerações futuras.
  2. Transmitir às futuras gerações valores, tradições e instituições que apóiem a prosperidade das comunidades humanas e ecológicas da Terra a longo prazo.
II. INTEGRIDADE ECOLÓGICA

5. Proteger e restaurar a integridade dos sistemas ecológicos da Terra, com especial atenção à diversidade biológica e aos processos naturais que sustentam a vida.
  1. Adotar, em todos os níveis, planos e regulamentações de desenvolvimento sustentável que façam com que a conservação e a reabilitação ambiental sejam parte integral de todas as iniciativas de desenvolvimento.
  2. Estabelecer e proteger reservas naturais e da biosfera viáveis, incluindo terras selvagens e áreas marinhas, para proteger os sistemas de sustento à vida da Terra, manter a biodiversidade e preservar nossa herança natural.
  3. Promover a recuperação de espécies e ecossistemas ameaçados.
  4. Controlar e erradicar organismos não-nativos ou modificados geneticamente que causem dano às espécies nativas e ao meio ambiente e impedir a introdução desses organismos prejudiciais.
  5. Administrar o uso de recursos renováveis como água, solo, produtos florestais e vida marinha de forma que não excedam às taxas de regeneração e que protejam a saúde dos ecossistemas.
  6. Administrar a extração e o uso de recursos não-renováveis, como minerais e combustíveis fósseis de forma que minimizem o esgotamento e não causem dano ambiental grave.
6. Prevenir o dano ao ambiente como o melhor método de proteção ambiental e, quando o conhecimento for limitado, assumir uma postura de precaução.
  1. Agir para evitar a possibilidade de danos ambientais sérios ou irreversíveis, mesmo quando o conhecimento científico for incompleto ou não-conclusivo.
  2. Impor o ônus da prova naqueles que afirmarem que a atividade proposta não causará dano significativo e fazer com que as partes interessadas sejam responsabilizadas pelo dano ambiental.
  3. Assegurar que as tomadas de decisão considerem as conseqüências cumulativas, a longo prazo, indiretas, de longo alcance e globais das atividades humanas.
  4. Impedir a poluição de qualquer parte do meio ambiente e não permitir o aumento de substâncias radioativas, tóxicas ou outras substâncias perigosas.
  5. Evitar atividades militares que causem dano ao meio ambiente.
7. Adotar padrões de produção, consumo e reprodução que protejam as capacidades regenerativas da Terra, os direitos humanos e o bem-estar comunitário.
  1. Reduzir, reutilizar e reciclar materiais usados nos sistemas de produção e consumo e garantir que os resíduos possam ser assimilados pelos sistemas ecológicos.
  2. Atuar com moderação e eficiência no uso de energia e contar cada vez mais com fontes energéticas renováveis, como a energia solar e do vento.
  3. Promover o desenvolvimento, a adoção e a transferência eqüitativa de tecnologias ambientais seguras.
  4. Incluir totalmente os custos ambientais e sociais de bens e serviços no preço de venda e habilitar os consumidores a identificar produtos que satisfaçam às mais altas normas sociais e ambientais.
  5. Garantir acesso universal à assistência de saúde que fomente a saúde reprodutiva e a reprodução responsável.
  6. Adotar estilos de vida que acentuem a qualidade de vida e subsistência material num mundo finito.
8. Avançar o estudo da sustentabilidade ecológica e promover o intercâmbio aberto e aplicação ampla do conhecimento adquirido.
  1. Apoiar a cooperação científica e técnica internacional relacionada à sustentabilidade, com especial atenção às necessidades das nações em desenvolvimento.
  2. Reconhecer e preservar os conhecimentos tradicionais e a sabedoria espiritual em todas as culturas que contribuem para a proteção ambiental e o bem-estar humano.
  3. Garantir que informações de vital importância para a saúde humana e para a proteção ambiental, incluindo informação genética, permaneçam disponíveis ao domínio público.
III. JUSTIÇA SOCIAL E ECONÔMICA

9. Erradicar a pobreza como um imperativo ético, social e ambiental.
  1. Garantir o direito à água potável, ao ar puro, à segurança alimentar, aos solos não contaminados, ao abrigo e saneamento seguro, alocando os recursos nacionais e internacionais demandados.
  2. Prover cada ser humano de educação e recursos para assegurar uma condição de vida sustentável e proporcionar seguro social e segurança coletiva aos que não são capazes de se manter por conta própria.
  3. Reconhecer os ignorados, proteger os vulneráveis, servir àqueles que sofrem e habilitá-los a desenvolverem suas capacidades e alcançarem suas aspirações.
10. Garantir que as atividades e instituições econômicas em todos os níveis promovam o desenvolvimento humano de forma eqüitativa e sustentável.
  1. Promover a distribuição eqüitativa da riqueza dentro das e entre as nações.
  2. Incrementar os recursos intelectuais, financeiros, técnicos e sociais das nações em desenvolvimento e liberá-las de dívidas internacionais onerosas.
  3. Assegurar que todas as transações comerciais apóiem o uso de recursos sustentáveis, a proteção ambiental e normas trabalhistas progressistas.
  4. Exigir que corporações multinacionais e organizações financeiras internacionais
    atuem com transparência em benefício do bem comum e responsabilizá-las pelas consequências de suas atividades.
11. Afirmar a igualdade e a eqüidade dos gêneros como pré-requisitos para o desenvolvimento sustentável e assegurar o acesso universal à educação, assistência de saúde e às oportunidades econômicas.
  1. Assegurar os direitos humanos das mulheres e das meninas e acabar com toda violência contra elas.
  2. Promover a participação ativa das mulheres em todos os aspectos da vida econômica, política, civil, social e cultural como parceiras plenas e paritárias, tomadoras de decisão, líderes e beneficiárias.
  3. Fortalecer as famílias e garantir a segurança e o carinho de todos os membros da família.
12. Defender, sem discriminação, os direitos de todas as pessoas a um ambiente natural e social capaz de assegurar a dignidade humana, a saúde corporal e o bem-estar espiritual, com especial atenção aos direitos dos povos indígenas e minorias.
  1. Eliminar a discriminação em todas as suas formas, como as baseadas em raça, cor, gênero, orientação sexual, religião, idioma e origem nacional, étnica ou social.
  2. Afirmar o direito dos povos indígenas à sua espiritualidade, conhecimentos, terras e recursos, assim como às suas práticas relacionadas com condições de vida sustentáveis.
  3. Honrar e apoiar os jovens das nossas comunidades, habilitando-os a cumprir  seu papel essencial na criação de sociedades sustentáveis.
  4. Proteger e restaurar lugares notáveis pelo significado cultural e espiritual.
IV. DEMOCRACIA, NÃO-VIOLÊNCIA E PAZ

13. Fortalecer as instituições democráticas em todos os níveis e prover transparência e responsabilização no exercício do governo, participação inclusiva na tomada de decisões e acesso à justiça.
  1. Defender o direito de todas as pessoas receberem informação clara e oportuna sobre assuntos ambientais e todos os planos de desenvolvimento e atividades que possam afetá-las ou nos quais tenham interesse.
  2. Apoiar sociedades civis locais, regionais e globais e promover a participação significativa de todos os indivíduos e organizações interessados na tomada de decisões.
  3. Proteger os direitos à liberdade de opinião, de expressão, de reunião pacífica, de associação e de oposição.
  4. Instituir o acesso efetivo e eficiente a procedimentos judiciais administrativos e independentes, incluindo retificação e compensação por danos ambientais e pela ameaça de tais danos.
  5. Eliminar a corrupção em todas as instituições públicas e privadas.
  6. Fortalecer as comunidades locais, habilitando-as a cuidar dos seus próprios ambientes, e atribuir responsabilidades ambientais aos níveis governamentais onde possam ser cumpridas mais efetivamente.
14. Integrar, na educação formal e na aprendizagem ao longo da vida, os conhecimentos, valores e habilidades necessárias para um modo de vida sustentável.
  1. Prover a todos, especialmente a crianças e jovens, oportunidades educativas que lhes permitam contribuir ativamente para o desenvolvimento sustentável.
  2. Promover a contribuição das artes e humanidades, assim como das ciências, na educação para sustentabilidade.
  3. Intensificar o papel dos meios de comunicação de massa no aumento da conscientização sobre os desafios ecológicos e sociais.
  4. Reconhecer a importância da educação moral e espiritual para uma condição de vida sustentável.
15. Tratar todos os seres vivos com respeito e consideração.
  1. Impedir crueldades aos animais mantidos em sociedades humanas e protegê-los de sofrimento.
  2. Proteger animais selvagens de métodos de caça, armadilhas e pesca que causem sofrimento extremo, prolongado ou evitável.
  3. Evitar ou eliminar ao máximo possível a captura ou destruição de espécies não visadas.
16. Promover uma cultura de tolerância, não-violência e paz.
  1. Estimular e apoiar o entendimento mútuo, a solidariedade e a cooperação entre todas as pessoas, dentro das e entre as nações.
  2. Implementar estratégias amplas para prevenir conflitos violentos e usar a colaboração na resolução de problemas para administrar e resolver conflitos ambientais e outras disputas.
  3. Desmilitarizar os sistemas de segurança nacional até o nível de uma postura defensiva não-provocativa e converter os recursos militares para propósitos pacíficos, incluindo restauração ecológica.
  4. Eliminar armas nucleares, biológicas e tóxicas e outras armas de destruição em massa.
  5. Assegurar que o uso do espaço orbital e cósmico ajude a proteção ambiental e a paz.
  6. Reconhecer que a paz é a plenitude criada por relações corretas consigo mesmo, com outras pessoas, outras culturas, outras vidas, com a Terra e com a totalidade maior da qual somos parte.

O CAMINHO ADIANTE

Como nunca antes na História, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo. Tal renovação é a promessa destes princípios da Carta da Terra. Para cumprir esta promessa, temos que nos comprometer a adotar e promover os valores e objetivos da Carta.
Isto requer uma mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal. Devemos desenvolver e aplicar com imaginação a visão de um modo de vida sustentável nos níveis local, nacional, regional e global. Nossa diversidade cultural é uma herança preciosa e diferentes culturas encontrarão suas próprias e distintas formas de realizar esta visão. Devemos aprofundar e expandir o diálogo global que gerou a Carta da Terra, porque temos muito que aprender a partir da busca conjunta em andamento por verdade e sabedoria.
A vida muitas vezes envolve tensões entre valores importantes. Isto pode significar escolhas difíceis. Entretanto, necessitamos encontrar caminhos para harmonizar a diversidade com a unidade, o exercício da liberdade com o bem comum, objetivos de curto prazo com metas de longo prazo. Todo indivíduo, família, organização e comunidade tem um papel vital a desempenhar. As artes, as ciências, as religiões, as instituições educativas, os meios de comunicação, as empresas, as organizações não-governamentais e os governos são todos chamados a oferecer uma liderança criativa. A parceria entre governo, sociedade civil e empresas é essencial para uma governabilidade efetiva.
Para construir uma comunidade global sustentável, as nações do mundo devem renovar seu compromisso com as Nações Unidas, cumprir com suas obrigações respeitando os acordos internacionais existentes e apoiar a implementação dos princípios da Carta da Terra com um instrumento internacionalmente legalizado e contratual sobre o ambiente e o desenvolvimento.
Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, a intensificação dos esforços pela justiça e pela paz e a alegre celebração da vida."









terça-feira, 25 de outubro de 2011

Ser feliz...




... em doses múltiplas ...
... constantes ...
... sem prazo de validade ...
... e bem ao nosso alcance...





Há sempre uma nova estrela a alcançar... elas são infinitas.
É o que alimenta nossas asas imaginárias.
É o que nos faz desejar.




Cada um carrega em si a sua luz, a sua forma particular de brilhar.
É possível manter a luz acesa apesar de tantos "apesar de".





Cecília Meireles, em "A arte de ser feliz", escreveu:


"Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde,
e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras
vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Ás vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim."




sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Sugestão de Leitura

Os artigos abaixo são desenvolvidos a partir do posicionamento de Francisco de Assis sobre a temática da Paz e do Meio Ambiente. Vale a pena conferir o material...




ALMEIDA, Maria de Fátima Melo de. Valorizando a Vida: com pequenos atos a transformação tem início.






BORIN, Luiz Cláudio. Educação para a Paz: uma proposta pedagógica para a não violência







quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Espaço Criança

Existe uma força mágica capaz de transformar o mundo: são os nossos PENSAMENTOS!

Da mesma forma que é importante alimentar o corpo, devemos alimentar a mente com PENSAMENTOS POSITIVOS, CONHECIMENTO. Por isso é importante ESTUDAR, DIALOGAR, LER MUITO, INFORMAR-SE...

PENSAMENTOS geram IDEIAS.
IDEIAS transformam-se em AÇÕES.
AÇÕES são capazes de mudar a vida no planeta, de trazer melhorias nas condições de vida de todos que aqui habitam.

VOCÊ É MUITO IMPORTANTE PARA AJUDAR A FAZER DA TERRA UM LUGAR MAIS FELIZ PARA SE VIVER.

A gente constrói o mundo no dia-a-dia. A ESCOLA é uma FÁBRICA PARA O MUNDO FELIZ.

A magia que pode fazer da nossa vida melhor não está fora de nós!

Pense nisso...


Essa é a Diva, a luft que representa a magia da vida...



Copie a figura abaixo, imprima e ligue os pontos.
Transforme no luft que você quiser desenhando o par de antenas no personagem...



terça-feira, 18 de outubro de 2011

Insistir em um caminho árduo...

Os conflitos são naturais nas relações humanas. As pessoas diferem em valores, hábitos, personalidade, expectativas, sonhos, desejos, fantasias. Cada um de nós se organiza numa teia única de significantes, sujeitos únicos em um universo particular, mas, paradoxalmente, interligados ao Outro, em todos os nossos fios. Isso quer dizer que, os outros seres humanos (tomando como base inicial, os nossos pais) têm um papel determinante na construção de cada um de nossos significantes. Dessa forma, todos nós temos algo do particular e algo do universal.

Entramos muitas vezes em conflito com nós mesmos, o que dirá com o outro... Relacionar-se é conviver com as diferenças e, num mundo globalizado, em que as redes sociais abrem o leque das relações humanas, a tendência é intensificar os conflitos. Por isso, a necessidade emergente de construir formas de lidar com o conflito e resolvê-lo por caminhos não violentos. Estamos em busca dos meios de vivenciarmos nossas divergências embasados em uma cultura que preconize a Paz. Meios como a conciliação, a mediação que visam à construção do consenso.

Sabemos que para mudarmos nossas ações, a base tem que ser mexida. Como desfazer ideais que nos levam a desejar pertencer ao “grupo dos vencedores”? Como podemos julgar nossas crianças refletindo essa dicotomia que separa “o perdedor” do grupo dos “bem sucedidos” se este é o nosso espelho social?

Como querer uma visão positiva dos conflitos, se, no fundo, cada um de nós quer ganhar, quer ter “na testa” todos os atributos + que a sociedade possa nos dar? Quantos não se aniquilam (pelo diversos caminhos de autodestruição possíveis), por se sentirem fracassar frente “a falta dos atributos + que nossa sociedade determinou”?

Construção de uma nova cultura implica mudanças de paradigmas e sabemos o quão árduo é esse caminho...



quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Meio ambiente e Cultura da Paz caminham juntos!


Paz é reverência pela vida.

Paz é o mais precioso bem da humanidade.

Paz é mais que o fim dos conflitos armados.

Paz é um tipo de comportamento.

Paz é um arraigado compromisso com os princípios da liberdade, justiça, igualdade e
solidariedade entre todos os seres humanos.

Paz é também uma harmoniosa parceria entre a humanidade e o meio ambiente.


(Declaração sobre a Paz na Mente dos Homens – Yamoussoukro, Costa do Marfim, 1989).








Blog Sarzedo Ecologia:

para que, juntos, possamos levantar o acervo de nossa rica biodiversidade, debater sobre os nossos problemas ambientais - buscando soluções para os mesmos – enfim, construir um diálogo para que a nossa relação com o meio ambiente se dê de forma sustentável.


 


terça-feira, 11 de outubro de 2011

Educação inclusiva e Educação para a paz




Extraí algumas frases muito interessantes do texto “Conceituação e antecedentes históricos da educação para a paz”, de Luiz Jorge Hammes. São elas:



ü   Uma das propostas para a consolidação da paz é a educação para a paz.

ü   Passa-se a compreender a paz, não apenas como ausência de guerra ou de violência, mas como a construção de uma cultura de paz. Nessa construção têm papel decisivo os estudos de paz que buscam entender as raízes do conflito e os passos necessários para a sua superação.

ü   A paz não é um estado, mas uma construção.

ü   A paz se aprende. A paz se ensina.

ü   A paz se constrói a partir da não-violência.

ü   A paz se constrói num processo dialógico-conflitivo.

ü   A paz se apresenta não como oposta ao conflito(...), mas justamente como uma forma de resolver os conflitos, de importar a energia humana e de avançar em direção a seus objetivos sem violência.

ü   A educação pela paz, mais do que uma disciplina específica, apresenta-se como um eixo pedagógico a partir do qual são redesenhadas as práticas educativas.

ü   A paz se cria, se constrói, na construção incessante da justiça social.

ü   A educação pela paz apresenta-se como um espaço onde as pessoas firmam-se pacifistas, inserindo-as no movimento social para a paz e fazendo repercutir em seu cotidiano aquilo que é a busca das pessoas comprometidas com a paz no mundo.

ü   O desafio é fazer com que a cultura da violência vá dando espaço para a cultura da paz, tornando a paz algo “normal”, caracterizando as relações sociais e com o meio ambiente.

ü   A cultura da paz será alcançada quando os cidadãos do mundo compreenderem os problemas mundiais, terem a capacidade de resolver os conflitos e lutar pela justiça de forma não-violenta, observar as normais internacionais de direitos humanos e de justiça, apreciar a diversidade cultural e respeitar a Terra e o próximo. (Agenda de Haia).





O texto compõe um capítulo na obra “Educação inclusiva e Educação para a paz: relações possíveis”, organizada por Bento Selau e Luiz Jorge Hammes, publicada pela EDUFMA, São Luís/MA, 2009. Há permissão para visualização completa do livro através do Google books:




Para fechar, a importante articulação que os organizadores fazem entre educação inclusiva e educação para a paz: “Não. Não é possível haver paz sem inclusão.”






Sugestão de leitura


Seguem abaixo dois livros da psicóloga Maria Tereza Maldonado -  Mestre em Psicologia pela PUC/Rio – sobre as formas de enfrentamentos dos conflitos na construção de uma cultura da Paz.








Esta obra faz uma análise minuciosa sobre as várias etapas dos conflitos e as melhores formas de resolvê-las, apresentando histórias e situações reais, além de reunir opiniões de profissionais de diversas áreas. A autora parte do entendimento de que os conflitos são naturais e quando não são bem geridos podem ter efeitos destrutivos sobre a vida das pessoas. Contudo, o que o livro tenta demonstrar é que existem estratégias para lidar com as divergências, os desentendimentos, capazes de transformar “até mesmo conflitos potencialmente destrutivos em terra fértil para gerar soluções satisfatórias para todos”.



A proposta da autora aos leitores é de levá-los a aprender como:

·      “Atacar o problema sem atacar as pessoas;

·      Tomar conta da raiva, em vez de deixar a raiva tomar conta da gente;

·      Aperfeiçoar a boa escuta para aumentar a confiança e a colaboração para resolver o problema;

·      Fazer as perguntas que nos guiam pelo território complexo do conflito;

·      Desenvolver clareza e eficácia na comunicação;

·      Encontrar os pontos em comum nas divergências.”











Nessa obra, a autora “apresenta caminhos de prevenção da violência por meio da construção da paz em suas três vertentes: a paz interior, a paz com os outros e a paz com o ambiente. Aborda os fatores que intensificam a violência na sociedade e na família, apresenta programas bem- sucedidos na prevenção e na reversão da violência em vários países; analisa o núcleo básico dos programas de educação para a paz e os pilares da cultura da paz proposta originalmente pela UNESCO, focalizando os métodos de resolução não violenta dos conflitos.


Tópicos principais:


- Violência estrutural e sistêmica
- Os tipos de violência dentro da família
- O nascimento do ódio
- Da cultura da violência para a cultura da paz
- O que precisamos fazer para sermos construtores da paz.


Indicado para: alunos a partir da sétima série; conselheiros tutelares, pais e profissionais da área de saúde e educação; pessoas interessadas em se desenvolverem como construtores da paz.” (http://www.mtmaldonado.com.br)

Saber Escutar


A escuta – verbal, não-verbal – é ferramenta de trabalho na Psicologia. É uma técnica que se constrói a partir de uma teoria, uma metodologia, uma ética. Uma paciente de Freud, Anna O., definiu a técnica de tratamento psicanalítico – associação livre – como “a cura pela fala”.



A arte da escuta, contudo, não deve se restringir apenas àqueles que se propõem a trabalhar na área “psi”. Não deve se limitar apenas aos propósitos terapêuticos. Ela, também, é muito importante na convivência com o outro e na construção de relações positivas. Para gerir conflitos através do diálogo, da mediação, da conciliação, é imprescindível saber escutar.



Saber escutar implica disponibilidade pessoal, tolerância, aceitação.



Disponibilidade porque oferecemos ao outro nossa escuta ativa, implicada com o que ele nos fala. Oferece-se a escuta à fala do outro, consciente de que o outro se constrói através de significantes diferentes, ou seja, a partir de referenciais obtidos por sua trajetória pessoal.



Tolerância é a capacidade de aceitar as diferenças, a pluralidade de opiniões.



Escutar não é aconselhar. Não é dizer “olha, no seu lugar eu....” ou “eu acho que....”. Quando damos conselhos, falamos de um lugar da verdade que construímos para nós. A “minha verdade”, os “meus valores”, as “minhas crenças”. Saber escutar envolve a humildade de não nos colocarmos como “donos da verdade”, mas de agirmos como meros coadjuvantes, facilitadores do encontro do outro com suas próprias respostas.



Acho fantástico um texto de Rubens Alves, “Escultatório”:


“Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular.

Escutar é complicado e sutil. Diz o Alberto Caeiro que “não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma“. Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Aí a gente que não é cego abre os olhos. Diante de nós, fora da cabeça, nos campos e matas, estão as árvores e as flores. Ver é colocar dentro da cabeça aquilo que existe fora. O cego não vê porque as janelas dele estão fechadas. O que está fora não consegue entrar. A gente não é cego. As árvores e as flores entram. Mas - coitadinhas delas - entram e caem num mar de idéias. São misturadas nas palavras da filosofia que mora em nós. Perdem a sua simplicidade de existir. Ficam outras coisas. Então, o que vemos não são as árvores e as flores. Para se ver e preciso que a cabeça esteja vazia.

Faz muito tempo, nunca me esqueci. Eu ia de ônibus. Atrás, duas mulheres conversavam. Uma delas contava para a amiga os seus sofrimentos. (Contou-me uma amiga, nordestina, que o jogo que as mulheres do Nordeste gostam de fazer quando conversam umas com as outras é comparar sofrimentos. Quanto maior o sofrimento, mais bonitas são a mulher e a sua vida. Conversar é a arte de produzir-se literariamente como mulher de sofrimentos. Acho que foi lá que a ópera foi inventada. A alma é uma literatura. É nisso que se baseia a psicanálise...) Voltando ao ônibus. Falavam de sofrimentos. Uma delas contava do marido hospitalizado, dos médicos, dos exames complicados, das injeções na veia - a enfermeira nunca acertava -, dos vômitos e das urinas. Era um relato comovente de dor. Até que o relato chegou ao fim, esperando, evidentemente, o aplauso, a admiração, uma palavra de acolhimento na alma da outra que, supostamente, ouvia. Mas o que a sofredora ouviu foi o seguinte: “Mas isso não é nada...“ A segunda iniciou, então, uma história de sofrimentos incomparavelmente mais terríveis e dignos de uma ópera que os sofrimentos da primeira.

Parafraseio o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma.“ Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. No fundo somos todos iguais às duas mulheres do ônibus. Certo estava Lichtenberg - citado por Murilo Mendes: “Há quem não ouça até que lhe cortem as orelhas.“ Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil da nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...

Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos, estimulado pela revolução de 64. Pastor protestante (não “evangélico“), foi trabalhar num programa educacional da Igreja Presbiteriana USA, voltado para minorias. Contou-me de sua experiência com os índios. As reuniões são estranhas. Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. (Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, como se estivessem orando. Não rezando. Reza é falatório para não ouvir. Orando. Abrindo vazios de silêncio. Expulsando todas as idéias estranhas. Também para se tocar piano é preciso não ter filosofia nenhuma). Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito. Pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que julgava essenciais. Sendo dele, os pensamentos não são meus. São-me estranhos. Comida que é preciso digerir. Digerir leva tempo. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se falo logo a seguir são duas as possibilidades. Primeira: “Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava eu pensava nas coisas que eu iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado.“ Segunda: “Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.“ Em ambos os casos estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: “Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.“ E assim vai a reunião.

Há grupos religiosos cuja liturgia consiste de silêncio. Faz alguns anos passei uma semana num mosteiro na Suíça, Grand Champs. Eu e algumas outras pessoas ali estávamos para, juntos, escrever um livro. Era uma antiga fazenda. Velhas construções, não me esqueço da água no chafariz onde as pombas vinham beber. Havia uma disciplina de silêncio, não total, mas de uma fala mínima. O que me deu enorme prazer às refeições. Não tinha a obrigação de manter uma conversa com meus vizinhos de mesa. Podia comer pensando na comida. Também para comer é preciso não ter filosofia. Não ter obrigação de falar é uma felicidade. Mas logo fui informado de que parte da disciplina do mosteiro era participar da liturgia três vezes por dia: às 7 da manhã, ao meio-dia e às 6 da tarde. Estremeci de medo. Mas obedeci. O lugar sagrado era um velho celeiro, todo de madeira, teto muito alto. Escuro. Haviam aberto buracos na madeira, ali colocando vidros de várias cores. Era uma atmosfera de luz mortiça, iluminado por algumas velas sobre o altar, uma mesa simples com um ícone oriental de Cristo. Uns poucos bancos arranjados em “U“ definiam um amplo espaço vazio, no centro, onde quem quisesse podia se assentar numa almofada, sobre um tapete. Cheguei alguns minutos antes da hora marcada. Era um grande silêncio. Muito frio, nuvens escuras cobriam o céu e corriam, levadas por um vento impetuoso que descia dos Alpes. A força do vento era tanta que o velho celeiro torcia e rangia, como se fosse um navio de madeira num mar agitado. O vento batia nas macieiras nuas do pomar e o barulho era como o de ondas que se quebram. Estranhei. Os suíços são sempre pontuais. A liturgia não começava. E ninguém tomava providências. Todos continuavam do mesmo jeito, sem nada fazer. Ninguém que se levantasse para dizer: “Meus irmãos, vamos cantar o hino...“ Cinco minutos, dez, quinze. Só depois de vinte minutos é que eu, estúpido, percebi que tudo já se iniciara vinte minutos antes. As pessoas estavam lá para se alimentar de silêncio. E eu comecei a me alimentar de silêncio também. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. E música, melodia que não havia e que quando ouvida nos faz chorar. A música acontece no silêncio. É preciso que todos os ruídos cessem. No silêncio, abrem-se as portas de um mundo encantado que mora em nós - como no poema de Mallarmé, A catedral submersa, que Debussy musicou. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Me veio agora a idéia de que, talvez, essa seja a essência da experiência religiosa - quando ficamos mudos, sem fala. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar. Para mim Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto...”